segunda-feira, 9 de maio de 2016

Gays, álcool e preservativos: entenda a censura no Quênia

Preservativos produzidos de látex
Um beijo apaixonado entre dois jovens em um anúncio da Coca-Cola acendeu a polêmica sobre a moralidade no Quênia. Usando a bandeira da proteção dos valores familiares mais tradicionais, as autoridades optaram pela linha dura: censurar os anúncios com preservativos, álcool ou qualquer insinuação sexual.

Nem na televisão, nem no rádio, nem em outdoors, nem na internet. Nenhum espaço escapa da nova legislação confeccionada pela Quênia Film Classification Board (KFCB), o órgão regulador que monitora o conteúdo audiovisual para que se ajuste aos "valores nacionais".

"Os anúncios não devem minar a importância da família como a unidade básica da sociedade", reivindicou o diretor-geral da KFCB, Ezekiel Mutua, ao anunciar a nova e polêmica regulação que entrará em vigor em julho.

A fim de "promover os valores morais nacionais", os preservativos e outros produtos anticoncepcionais que não divulguem "mensagem de saúde pública", bebidas alcoólicas, corpos seminus e a linguagem sexual estão vetados em todos os anúncios das 5h às 22h.

O Quênia mantém conversas com empresas internacionais como Google e Netflix para abordar esta nova regulação nacional porque quem a descumprir será punido.

As reações não demoraram a chegar. As redes sociais se incendiaram rapidamente para denunciar a hipocrisia no país, onde a sexualidade continua sendo um tabu (só da porta para fora), mas onde é quase impossível encontrar um filme em cartaz que não tenha um alto conteúdo de violência.

Também são frequentes na imprensa local as seções nos quais especialistas falam às claras sobre sexo, infidelidades e problemas de casal que desequilibram a vida familiar.

Alguns quenianos brincavam no Twitter tentando adivinhar a próxima surpresa da KFCB: proibir os filmes de terror porque os espectadores podem se assustar.

"Não estamos limitando as liberdades constitucionais. Só queremos garantir os valores morais na publicidade", disse Mútua, rebatendo as várias críticas.

Esta não é a primeira vez que as autoridades intervêm nos meios de comunicação para censurar cenas "ofensivas" com o pretexto de proteger o público.

A do beijo apaixonado da Coca-Cola foi finalmente eliminada do anúncio, enquanto o vídeo musical "Same Love", em que casais gays e lésbicas pediam igualdade contra a homofobia do continente foi totalmente proibido.

"É hora de novas leis, não de novas guerras. Compartilhamos a mesma dor e a mesma pele. Julguemos menos e amemos mais", diz a canção.

A KFCB não só censurou o vídeo em território queniano, mas pediu ao Google sua retirada do YouTube alegando que ele desrespeitava sua legislação.

A empresa ignorou o pedido, e o vídeo se tornou viral nas redes sociais, onde a hashtag #KenyanGayVideo reuniu várias críticas contra o governo e múltiplas reivindicações a favor do amor e da igualdade.

Os quenianos parecem cansados da atitude paternalista com a qual o governo camufla a censura, por exemplo, de filmes como "Cinquenta tons de cinza", vetado no cinema por "suas cenas sexuais prolongadas e explícitas".

Também não passou pelo censura das autoridades "O Lobo de Wall Street" por conter "cenas extremas de nudismo, sexo, álcool, consumo de drogas e profanação".

A medida, no entanto, provocou o efeito contrário: a venda pirata do filme disparou e os cinéfilos baixaram maciçamente esta produção, protagonizado por Leonardo DiCaprio, e que recebeu cinco indicações ao Oscar.

Os quenianos usam a internet para lutar contra a censura e reivindicar a outra cara do Quênia: a da tolerância.

As novas diretrizes da KFCB também afetarão a política: a publicidade degradante de figuras políticas e a utilização da linguagem depreciativa também foram proibidas.

O país terá eleições presidenciais no ano que vem, e parece que a KFCB quer ter tudo bem amarrado até lá. Há muito em jogo: a moralidade e a liberdade de expressão, por exemplo.

Fonte: EFE

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