quarta-feira, 9 de março de 2016

Idade compromete sistema imune e reduz eficácia de vacinas

Mãos de uma senhora de idade sendo seguradas por uma jovem
Mais de 10% dos indivíduos que compõem a população brasileira atual têm idade superior a 60 anos.

E, a exemplo do que já ocorre no Japão e nos países europeus, essa porcentagem deverá aumentar nas próximas décadas.

Um dos desafios que o envelhecimento da população apresenta relaciona-se com o possível aumento das comorbidades.

Problemas cardíacos, respiratórios, de mobilidade, de cognição são alguns exemplos de morbidades que podem se associar no idoso, levando, eventualmente, à incapacitação de um indivíduo ainda produtivo.

Além disso, vários estudos têm mostrado que a resposta imune de defesa contra patógenos e tumores também se apresenta diminuída em idosos.

Assim, uma porcentagem de indivíduos com mais de 60 anos não fica imunizada após a vacinação.

Quanto maior a idade, maior o número de indivíduos que, apesar de vacinados contra influenza, são internados por infecções respiratórias associadas a patógenos.

Um estudo conduzido na cidade de São Paulo procurou avaliar se a população idosa residente no município apresentava as mesmas alterações no sistema imune observadas no Japão e nos países europeus.

E buscou saber também se aPropionibacterium acnes (P.acnes), a bactéria causadora da acne, poderia ser utilizada para estimular o sistema imune de idosos, tornando-se assim, em condições controladas, um adjuvante para vacinas ou outras terapias.

A pesquisa, “Análise imunológica de indivíduos idosos e propostas em vacinação”, coordenada por Valquiria Bueno, professora de imunologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), teve o apoio da FAPESP.

“Trabalhamos com culturas de células in vitro, utilizando, como material biológico, amostras de sangue de idosos fornecidas pelo Estudo Sabe (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, também apoiado pela FAPESP”, disse Bueno à Agência FAPESP.

“Ativamos essas culturas com fito-hemaglutinina, um mitógeno [indutor de mitose ou divisão celular] bem conhecido na literatura, e as estimulamos também com P.acnes, para saber se, após o estímulo, as células de idosos apresentavam respostas semelhantes às das células de pessoas mais jovens”, prosseguiu a pesquisadora.

A primeira constatação foi que, embora o perfil imunológico de nossa população seja muito heterogêneo, o padrão celular de envelhecimento em São Paulo é muito semelhante àquele descrito no Japão e nos países europeus.

Quando se consideram os valores médios, aqui também os idosos têm diminuídas suas taxas de proliferação celular e de produção de citocinas [moléculas envolvidas na comunicação entre as células durante o desencadeamento das respostas imunes].

Isso significa que o sistema imunológico desses indivíduos apresenta menor capacidade de responder aos antígenos [proteínas capazes de desencadear a resposta imune] presentes nas vacinas ou em novas infecções.

“Quando vacinamos alguém, esperamos que as células circulantes do sistema imune sejam capazes de responder aos antígenos. Isto é, que proliferem e produzam citocinas e anticorpos para combater essas proteínas estranhas.

Ao fazê-lo, as células mudam seu fenótipo, transformando-se de células naives [inexperientes] em células efetoras [experientes], ficando, depois, armazenadas no organismo como células de memória.

Nos idosos, porém, esse mecanismo apresenta-se parcialmente modificado”, informou Bueno.

Tal processo, chamado de “imunosenescência”, caracteriza-se, na amostra, pela diminuição da porcentagem de células naives, capazes de reconhecer e responder a antígenos novos, e pelo aumento da porcentagem de células de memória que não são capazes de responder a patógenos diferentes daqueles contra os quais já se especializaram.

Por isso, a resposta a vacinas, novas infecções e tumores torna-se menos eficaz.

Terapias diferenciadas por gênero

“Um achado importante do nosso estudo foi que a tendência à imunosenescência é mais acentuada em homens do que em mulheres da mesma faixa etária. Os homens tendem a acumular mais células de memória e a apresentar maior redução de célulasnaives, além de menor produção de citocinas. Esse achado sugere que, para indivíduos idosos, as terapias talvez tenham que ser utilizadas de forma diferente de acordo com o ‘gênero’”, afirmou a pesquisadora.

“Nossos dados encontram apoio em estudos realizados no Japão, nos quais se observou ainda que as mulheres necessitaram de doses menores de vacina do que os homens para produzir a mesma concentração de anticorpos protetores”, continuou.

A pesquisa realizada com células in vitro na Unifesp também corroborou dados obtidos em estudo populacional realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp): “Internações por doenças respiratórias em idosos e a intervenção vacinal contra influenza no Estado de São Paulo”.

Esse estudo, coordenado por Priscila Maria Stolses Bérgamo Francisco, mostrou que a incidência de doenças respiratórias em pessoas vacinadas é de 4% para mulheres e de 7% para homens, na faixa dos 60 anos, e pouco menor do que 30% para mulheres e quase 50% para homens, na faixa dos 80 anos.

“A vacinação tem que continuar a ser realizada, é claro. Mas é preciso fazer algo mais, no intuito de melhorar a resposta vacinal”, comentou Bueno.

“Um procedimento testado em grupo controlado de idosos no Japão foi substituir a dose única anual de vacina contra influenza por duas ou três doses menores, escalonadas em intervalos de seis ou quatro meses. O parcelamento da vacina estimula o sistema imune várias vezes. E, aparentemente, isso tem um efeito melhor do que a ministração da dose inteira de uma vez só.”

Apesar de poder ser aprimorado, seguindo talvez o exemplo do Japão, o sistema de vacinação pública adotado no Brasil, baseado em campanhas maciças, é melhor do que o de alguns países europeus.

Na Espanha, por exemplo, a rede pública só vacina os idosos quando estes se encontram hospitalizados.

Na investigação do eventual emprego da P.acnes como adjuvante vacinal, a pesquisa contou com a colaboração da professora Ieda Maria Longo Maugéri, da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp, que conduz atualmente o estudo “Efeito adjuvante da Propionibacterium acnes e de sua fração polissacarídica purificada sobre a imunogenicidade de uma vacina para o vírus da imunodeficiência humana tipo 1 (HIV-1)”, também apoiado pela FAPESP.

“Verificamos que a P.acnes aumentou discretamente a proliferação de linfócitos B [produtores de anticorpos]. Mas o mesmo não ocorreu em relação aos linfócitos T [produtores de citocinas e estimuladores de outras células]”, disse Bueno.

“É provável que a P.acnes tenha estruturas capazes de se ligar aos receptores do tipo toll dos linfócitos B, induzindo, assim, sua proliferação. Já no caso dos linfócitos T, eu acredito que seja preciso haver células dendríticas [apresentadoras de antígenos] intermediando o processo para que o antígeno presente na bactéria inativada possa ter o efeito adjuvante desejado. Então, para um aumento da resposta vacinal, além da P.acnes, a vacina precisaria conter também células dendríticas”, conjecturou a pesquisadora.

Além dos resultados obtidos, o projeto possibilitou que Valquiria Bueno e colaboradores estabelecessem uma ampla rede de contatos com pesquisadores de outras instituições, como o grupo que desenvolve o Estudo Sabe, coordenado pela professora Maria Lúcia Lebrão na Universidade de São Paulo, e o Institute of Inflammation and Ageing, dirigido pela professora Janet Lord, na Universidade de Birmingham, Reino Unido.

Uma colaboração entre a equipe brasileira e a equipe britânica está atualmente em curso, apoiada pela FAPESP mediante convênio com o British Council e o Newton Fund.

Os times parceiros estão finalizando a redação de um livro, The Ageing Immune System and Health, previsto para ser publicado ainda em 2016 pela editora Springer, e organizando o workshop “Ageing and health: how to get there?”, agendado para 16 a 18 de março na Unifesp.

Fonte: Exame

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