terça-feira, 18 de maio de 2021

Em queda-livre, bitcoin testa estômago de novos investidores, mas mantém fundamentos.

Valor Investe
Rafael Gregorio, Gustavo Ferreira e Sérgio Tauhata
 
Em maior solavanco desde onda de adoção institucional, criptomoeda cai 35% e perde US$ 365 bilhões em valor de mercado em maio, puxada por recuo ambiental da Tesla e por hostilidades de reguladores nos EUA e na China. Mas analistas veem dados positivos no longo prazo.

A tomar pelo sucesso recente do tema no país, muitos brasileiros entenderam pela primeira vez na última semana o que é investir em criptomoedas, e muitos analistas de ações vão passar a acompanhar esse mercado mais de perto.

E, a tomar pela confiança dos especialistas nos fundamentos do bitcoin, quem segurar a emoção ainda pode ter no investimento ponderado em cripto uma alternativa para reserva de valor com potencial positivo lá na frente.

Comecemos pelo frio na barriga: ontem (19), após cinco dias de desvalorização, o bitcoin acentuou a tendência negativa e caiu quase 10% na comparação com o preço do dia anterior. 

A descida foi no estilo clássico do bitcoin, com muitos altos e baixos deixando claros os sentidos das expressões “volatilidade” e “ativos de risco”. A cotação chegou a cair ainda mais na parte da manhã, para cerca de US$ 30 mil, mas depois se recuperou em parte e passou a transitar perto de US$ 37 mil. No fim da noite, já se aproximava de US$ 38 mil. Entre as exchanges brasileiras, o preço fechou o dia em torno de R$ 190 mil.

Foi um tombo e tanto, e rápido; há uma semana, o bitcoin era negociado a US$ 56 mil, e, até terça-feira à noite, estava cotado a US$ 44 mil. 

Outras criptomoedas também vêm sangrando, e ainda mais que o bitcoin. No geral, o mercado perdeu quase US$ 1 trilhão com o solavanco de ontem.

Ethereum e XRP, por exemplo, caíam 32% e 38% na quarta-feira à noite, respectivamente, na comparação com as 24 horas anteriores, segundo o site CoinMarketCap.

O binance coin, token nativo da exchange Binance, caía 39%, e a dogecoin, criptomoeda nascida de um meme de internet e que vem ganhando popularidade, perdia 32%.

No Brasil, as exchanges relataram tráfego até 20% maior do que a média, em alguns casos, e movimentaram mais de R$ 1 bilhão ontem, segundo dados do site CoinTraderMonitor. Os fundos de criptomoedas também perderam, como o Hashdex Nasdaq Crypto Index Fundo de Índice (HASH11), primeiro ETF de criptos negociado na B3, que fechou o pregão em queda de 10,91%, cotado a R$ 40,55, com mais de R$ 332 milhões em volume de negociação.

As bolsas, aliás, tiveram dia no vermelho no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, em parte refletindo a ressaca causada pelas criptos (e também por quedas em outros mercados, como o do minério de ferro). Na outra ponta, analistas do JP Morgan viram migração de recursos da criptoeconomia para o ouro.

Em entrevista à rede americana CNBC, o diretor de investimentos do Bleakley Advisory Group, Peter Boockvar, resumiu a interconexão: “O bitcoin tem sido o garoto-propaganda da especulação desenfreada e do apetite pelo risco”. Segundo ele, a cripto deve ser monitorada de perto, “para medir o pulso de tomada de risco e aversão.”

Questão ambiental + ameaças de reguladores

Os motivos da desvalorização nos últimos dias, intensificada ontem, dividem os especialistas. Alguns veem correções necessárias após um período de quase quatro meses de empolgação que se seguiu aos anúncios de novos investidores institucionais no bitcoin, em especial a estrondosa aplicação da Tesla, de US$ 1,5 bilhão, anunciada em fevereiro.

Ironicamente, um recuo da própria empresa na decisão de vender carros usando bitcoins, anunciado na semana passada e creditado a temores ambientais, seria o principal empuxo da atual desvalorização.

De fato, o bitcoin consome energia demais. Como o Valor Investe mostrou no ano passado, o “ecossistema” da criptomoeda já usava mais energia do que países com grandes populações, como Filipinas (109,5 milhões de pessoas) e Argentina (45,1 milhões). Esse gasto se deve principalmente ao processo de registro e verificação das transações na blockchain, conhecido como mineração. E, em um mundo cada vez mais pautado pelo filtro da sustentabilidade, isso teria acendido um sinal amarelo.

Mas essa pendência ambiental do bitcoin já é sabida há tempos, e há quem estranhe o fato de Musk ter levantado essa bola agora. O próprio bilionário tentou contemporizar em mais uma publicação no Twitter, dizendo que ainda acredita no potencial das criptos e que a Tesla não pretende vender seus bitcoins, mas isso não parece ter sido suficiente para muitos investidores.

Analistas destacam também as ameaças dos reguladores que pairam sobre o bitcoin, em especial nos Estados Unidos e na China. Nos EUA, a SEC (Securities and Exchanges Commission, equivalente à CVM no Brasil) deu sinais de que não deve avançar em novas permissões ao segmento cripto em breve. E, no país asiático, o banco central emitiu um informe em que diz que o bitcoin “não é uma moeda real” e “não deve e não pode ser usado como moeda no mercado”.

“No fundo, é uma sequência de fatos”, explica Thales Inada, especialista em criptoativos da Spiti. “Tudo começou com a expectativa de aumento dos juros nos EUA e no mundo, que acaba influenciando a renda variável e, consequentemente, o mercado de criptoativos. Depois veio o Elon Musk dizendo que o bitcoin não será mais aceito como meio de pagamento pelos carros da Tesla devido ao gasto de energia [na mineração dos criptoativos]. Agora, tivemos rumores de a China vai aumentar a restrição, mas sem novidades além do que já conhecíamos desde 2017.”

O presidente da gestora BLP, Glauco Cavalcanti, afirma que o mercado cripto é marcado por atuação de robôs de investimentos que, com as quedas deflagradas pelo noticiário, acabaram intensificando o movimento de venda diante de mecanismos de “stop loss”, ou limitação de perdas. “O mercado tem muitos robôs e isso acabou potencializando um efeito dominó com as quebras de pisos técnicos”, diz.

Para João Marco Cunha, gestor de portfólio da Hashdex, "A China reiterou as medidas de banimento de cripto nos sistemas bancário e de pagamentos, além de aprofundá-las, como, por exemplo, exigindo monitoramento dos fluxos de dinheiro envolvendo negociação de criptoativos. Acabou sendo como uma superposição de ondas negativas sobre o bitcoin”.

Bruno Milanello, executivo de novos negócios do Mercado Bitcoin, também cita os fatores Tesla e China e destaca as realizações de lucros por parte de investidores. "O dinheiro recebido dos estímulos econômicos foi parar, em parte, em cripto, e essas pessoas começaram a vender para retomar a vida", comenta.

O advogado, consultor e fundador do escritório especializado AMX Law, Fabio Moura, também vê outros fatores além do recuo de Musk, principalmente um misto de correção e especulação. “É um mercado ainda muito especulativo. Existia uma sensação de euforia em torno do bitcoin. Agora, com as recentes notícias, veio um alerta”, afirma.

Especialista vê fundamentos otimistas no longo prazo

Mesmo com a queda no mês, Thales Inada, da Spiti, não vê motivo para preocupação no longo prazo, e justifica seu entendimento com base nos fundamentos do bitcoin.

O “hash rate”, por exemplo, que em linhas gerais reflete a força computacional por trás do bitcoin, continua forte: “Podemos ver uma queda, mas nada diferente dos últimos meses. Seguimos com a rede segura e próxima da máxima”.

Ele também chama a atenção para os dados sobre a quantidade de bitcoins disponibilizados nas exchanges, e não nas carteiras, que segue em patamares baixos desde novembro. A lógica, aqui, é que, quanto menos criptomoedas deixadas a postos para negociação nas exchanges, mais os investidores estão pensando no longo prazo.

Além disso, em um olhar pormenorizado para esses estoques de bitcoins não disponibilizados para transações, as carteiras que estão se desfazendo são as mais recentes, enquanto as de longo prazo seguem estáveis ou ampliando saldos.

Tombo didático

Em grupos de WhatsApp dedicados à discussão de criptoativos, investidores mais experientes encararam os números em vermelho na tela com naturalidade; não é a primeira vez em que o bitcoin cai tanto em um dia ou em uma semana, e, mesmo com a desvalorização, a cripto segue em um patamar mais de três vezes maior que o de um ano atrás.

Ainda assim, o episódio deve deixar marcas; a desvalorização deste mês é a maior desde que começou a onda de adoção institucional, no quarto trimestre de 2020. Foi então que empresas como MicroStrategy e Square iniciaram ou ampliaram investimentos de seus caixas em bitcoins, o PayPal integrou a criptomoeda e fundos e gestores passaram a incluir o ativo digital em suas carteiras como alternativa ao ouro para reserva de valor.

Depois, em 2021, vieram as notícias de que a Tesla, fabricante de automóveis elétricos comandada pelo bilionário Elon Musk, fez um investimento de US$ 1,5 bilhão em bitcoins no ano passado. Dois meses depois, a Coinbase, mais popular exchange dos EUA, fez história ao ser a primeira plataforma de negociação de criptos a listar ações na Nasdaq.

Todo esse movimento fez a cotação do bitcoin ser propulsionada de US$ 10 mil em outubro de 2020 para o recorde de US$ 65 mil em abril.

Para essa fatia recém-chegada à criptoeconomia, a semana que passou – e os dias por vir – provavelmente vão ficar na memória. “Foi mesmo um dia bem marcante para o mercado, totalmente fora da curva”, conclui Inada, da Spiti, “mas o fechamento dessa semana será importante” para um entendimento mais sereno de para onde vai o bitcoin. 

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