segunda-feira, 4 de julho de 2016

Estudo mostra papel positivo de exercício em doença pulmonar

Casal fazendo atividade física
Exercícios físicos aeróbicos diminuem a intensidade da inflamação na asma e a progressão da lesão dos pulmões na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

Esses dados – de grande relevância para os portadores das referidas enfermidades, bem como para o sistema de saúde em geral – foram demonstrados, pela primeira vez, pelo projeto temático “Efeitos do ambiente e do estilo de vida sobre a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica: estudos experimentais e clínicos”, coordenado por Milton de Arruda Martins, professor titular de Clínica Médica Geral da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e diretor do Serviço de Clínica Geral do Hospital das Clínicas da FMUSP. O projeto contou com o apoio da FAPESP.

“Reunimos um grande número de pesquisadores, o que possibilitou realizar tanto pesquisas de laboratório com modelos animais quanto pesquisas clínicas com humanos. Foi, como costuma ser dito, um estudo da bancada para a beira do leito”, disse Martins à Agência FAPESP.

A asma caracteriza-se por uma inflamação dos brônquios que pode resultar de vários fatores (genéticos, ambientais, psicológicos e outros).

É a doença crônica de maior prevalência na infância e uma das mais comuns na vida adulta. O asmático típico é aquele indivíduo que está bem e, de repente, ao entrar em contato com algum fator desencadeante (estresse, poluição, fumaça de cigarro, material alergênico, gripe etc.), entra em crise, apresentando sintomas como tosse, chiado no peito, falta de ar etc.

Estes geralmente começam a se manifestar na infância, mas podem ocorrer pela primeira vez na vida adulta.

A doença pulmonar obstrutiva crônica também envolve inflamação. Porém surge na vida adulta. E tem, como fator principal, o tabagismo ativo.

Se o pulmão de um portador de DPOC for investigado, será constatado um misto de enfisema pulmonar (destruição dos alvéolos e formação de espaços aéreos maiores) e bronquite (inflamação dos brônquios). Esses dois componentes, ambos obstrutivos, provocam uma redução do fluxo aéreo.

Há, contudo, uma importante diferença na evolução das duas doenças. Na asma, a pessoa piora e melhora rapidamente. Na DPOC, a função pulmonar declina de modo progressivo e irreversível.

Pode haver, também, uma sobreposição das duas doenças. Às vezes, o indivíduo é asmático na infância, melhora na adolescência, passa a fumar e desenvolve DPOC.

“Nosso projeto procurou enfocar a asma e a DPOC no mundo real. Isto é, considerando os efeitos do tabagismo, da poluição atmosférica e da atividade física – três fatores ligados ao estilo de vida. Demonstramos que o exercício aeróbico atenua ou reverte a inflamação provocada pelo quadro asmático; desacelera a progressão da DPOC, mesmo em tabagistas; e protege contra infecções”, afirmou o pesquisador.

O projeto desdobrou-se em quatro estudos principais. O primeiro partiu de um dado que já havia sido registrado na literatura médica, segundo o qual o fumante que faz exercício evolui melhor do que o fumante sedentário, com uma pioria da condição pulmonar mais lenta.

“Nossa contribuição pioneira, neste caso, foi desenvolver um modelo animal com camundongos. Parte deles foi condicionada a fazer atividade física aeróbica em esteira, 50 minutos por dia, cinco dias por semana, durante dois meses. E parte foi levada a inalar fumaça de cigarro, em uma câmara especial. Selecionamos, então, quatro grupos de animais, contemplando as quatro combinações possíveis: os que não fumavam nem faziam atividade física; os que fumavam e eram sedentários; os que fumavam e praticavam atividade física; e os que não fumavam e faziam atividade física”, detalhou Martins.

O estudo prolongou-se por seis meses, o que corresponde a um terço ou um quarto da vida dos camundongos, cuja duração é de um ano e meio a dois anos.

Esse prazo foi escolhido por analogia com o tempo que uma pessoa precisa para desenvolver DPOC: cerca de 20 anos de tabagismo ativo em uma expectativa de vida de 70 a 80 anos.

“Constatamos que todos os animais expostos à fumaça do cigarro desenvolveram enfisema pulmonar evidente. Mas aqueles que, embora ‘fumantes’, fizeram atividade física tiveram uma atenuação muito importante no desenvolvimento do enfisema”, informou o pesquisador.

Investigando as causas do efeito protetor do exercício aeróbico em relação ao enfisema, os estudiosos o relacionaram com o aumento da capacidade de o organismo reagir aos fatores oxidantes.

O segundo estudo também foi uma experimentação com modelos animais, enfocando asma e exercício.

Em um formato bastante semelhante ao anterior, utilizou camundongos, parte dos quais teve asma induzida por aerossol de ovo-albumina e parte dos quais fez exercícios.

Igualmente neste caso, foram selecionados quatro grupos: com asma e sedentário; com asma e praticante de exercício; sem asma e sedentário; sem asma e praticante de exercício.

“Verificamos que os camundongos treinados desenvolveram inflamação pulmonar menos intensa do que os não treinados. E que os animais que começaram a treinar depois de induzida a asma tiveram revertidas muitas das alterações provocadas pelo quadro asmático. Portanto, existe um efeito tanto preventivo quanto retroativo do exercício”, resumiu Martins.

O terceiro estudo, liderado por Celso Fernandes Carvalho, professor de Fisioterapia Respiratória na FMUSP e principal responsável pelos estudos clínicos realizados pela equipe, procurou investigar o efeito protetor do exercício aeróbico contra a asma em humanos.

Para participar desse estudo, foram sorteados voluntários portadores de asma classificada como “moderada a grave”, mas cujos sintomas estavam controlados por meio de medicação com corticosteroides por via inalatória. Eram pessoas que não estavam em crise asmática, portanto.

Sob supervisão médica e acompanhamento de educadores físicos e fisioterapeutas, um grupo fez treinamento aeróbico na esteira, com aumentos de carga e velocidade de acordo com avaliações periódicas.

E outro contingente, o grupo-controle, também compareceu ao hospital, mas fez exercícios de alongamento e relaxamento, sem atividade aeróbica propriamente dita.

“Comparando os dois grupos, verificamos que aquele que fez atividade aeróbica apresentou melhor qualidade de vida, com menos crises, e melhoria efetiva da inflamação pulmonar. Para avaliar a inflamação, utilizamos duas estratégias não invasivas: a medição da concentração de óxido nítrico no ar exalado e a medição da quantidade de eosinófilos no escarro induzido. Os dois marcadores diminuíram nos portadores de asma que passaram por treino aeróbico. E não diminuíram nos que só fizeram exercícios de alongamento”, descreveu Martins.

Melhor qualidade de vida

Segundo o pesquisador, foi a primeira vez que se demonstrou que a atividade aeróbica não tem apenas a função de melhorar a qualidade de vida – o que já seria importante. Mas exerce também efeito de tratamento, fazendo diminuir a inflamação associada à asma.

É claro que esse tipo de teste só pode ser feito no asmático compensado por medicamento, porque aquele que está descompensado tem crises de asma durante o exercício. E acaba desenvolvendo uma relação de amor e ódio com o exercício.

Em uma segunda fase do mesmo estudo, foram analisados 43 voluntários que fizeram treinamento aeróbico por 12 semanas. Foi testada a hiper-responsividade pulmonar (isto é, o quanto o indivíduo responde à inalação de bronquioconstritores), que é uma das marcas características da asma. E medidos mediadores inflamatórios no sangue.

Tanto a hiper-responsividade quanto os mediadores inflamatórios diminuíram com o condicionamento físico. Ao mesmo tempo, a interleucina 10 (IL-10), que é um agente anti-inflamatório, aumentou.

“Ou seja, verificamos que o efeito não se dá apenas no pulmão. É sistêmico. E, em princípio, pode ser alcançado por qualquer atividade aeróbica (caminhada, corrida, natação, ciclismo etc.), desde que esta atinja o nível considerado moderado. De acordo com a Sociedade Americana de Medicina Esportiva, o nível moderado é atingido quando o indivíduo passa a suar, experimenta uma elevação do batimento cardíaco, mas ainda não fica ofegante, conseguindo conversar normalmente com outra pessoa”, comentou Martins.

Porém, embora duradouro, o efeito do exercício não é permanente. Se a pessoa interromper o treinamento, voltará à condição anterior após alguns meses.

Por isso, a atividade física deve ser regular e aumentar progressivamente.

O quarto estudo, finalmente, foi realizado em conjunto com pesquisadores do Instituto Butantan. O objetivo era saber se o condicionamento físico protege ou não contra infecções.

Neste caso, parte dos camundongos foi bem condicionada por um treinamento de quatro semanas e parte foi mantida sedentária.

Depois, os animais receberam, por via intranasal, uma dose não letal de Streptococcus pneumoniae, a bactéria mais frequentemente associada à pneumonia.

“O experimento mostrou que a pneumonia foi muito menos intensa no grupo de animais condicionados – tanto pelas alterações inflamatórias verificadas quanto pelo número de bactérias isoladas nos pulmões”, concluiu o pesquisador.

Fonte: AGÊNCIA FAPESP

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