quarta-feira, 15 de junho de 2016
China silencia único museu do país dedicado à Revolução Cultural
Em uma montanha nos arredores da cidade de Shantou está o único museu da China que presta homenagem às vítimas da Revolução Cultural (1966-1976), um local que neste ano, quando o início do movimento completa 50 anos, foi silenciado e passou a correr perigo.
Não é tarefa simples chegar ao museu. Os guias de viagens mal informam sobre ele e não há placas indicativas ao longo da estrada que leva ao Tashan Park, um parque natural de espessa vegetação onde está o memorial. Para passar despercebido, o museu tem aspecto de templo tradicional, embora nele muros e lápides não mostrem imagens budistas, mas os nomes de mais de 300 pessoas que foram acusadas de ser "contra-revolucionários" durante os anos 60 e 70.
Logo na entrada do museu e dentro dele há uma estátua e um retrato, respectivamente, de Yu Xiqu, um prestigiado juiz local que sofreu, como outros lá mencionados, graves abusos por parte dos guardas vermelhos.
Em 16 de maio deste ano foi comemorado, com quase total silêncio da imprensa oficial e das instituições comunistas, o 50º aniversário do início daquele período turbulento, e desde então todo o museu foi tapado por cartazes da propaganda comunista.
Na entrada, sobre o cartaz que indica que ali fica o museu é possível ler um cartaz que diz "Ato de promoção dos valores nucleares do socialismo". Alusões ao "Sonho Chinês", o mantra ideológico do atual presidente Xi Jinping, se repetem nas paredes forradas de cartazes, decoradas com foices e martelos e imagens da porta da Praça da Paz Celestial.
Não é fácil observar outros detalhes, já que policiais à paisana, se passando por turistas, tentam impedir à imprensa de fotografar e filmar o lugar, e interrogam jornalistas que se aproximam.
O museu foi construído em 2005 e é quase um milagre continuar de pé mais de dez anos depois, levando em conta que, embora o governo chinês reconheça oficialmente, após a morte de Mao Tsé-tung, que a Revolução Cultural foi um erro, evite que relembrar publicamente, e menos ainda citar as vítimas concretas. Neste caso foi um líder comunista local que decidiu criar esse museu. Peng Qian, um antigo tenente do prefeito de Shantou, construiu o espaço e foi o que, possivelmente, salvou a estrutura de ser demolida.
Contou Peng no passado que decidiu criar um lugar para homenagear um assunto tão delicado na China, após ficar sabendo que muitos vítimas dos linchamentos dos guardas revolucionários foram enterradas na Montanha Pagoda.
Em seus primeiros anos de funcionamento, o museu chegou a atrair certa atenção da mídia, e até recebeu doações milionárias para sua manutenção, mas em 2014, pouco antes de se aposentar, Peng cedeu totalmente a gestão do local ao governo, o que fez com que ele caísse no esquecimento e, nas últimas semanas, a ser presa da censura.
Shantou, um dos principais portos do sul da China, está a mais de 2 mil quilômetros de Pequim, o epicentro da Revolução Cultural, mas sua distância não lhe livrou, como ao resto do país, dos excessos dessa época, na qual milhões de pessoas foram indiscriminadamente perseguidas. Embora a Revolução Cultural seja tema de livros e filmes na China - o fato de que quase toda a população do país naquela época tenha sofrido dificulta a sua total censura -, o Museu de Shantou é o único dedicado integralmente a ela.
Existe pelo menos outro museu no país que menciona o período de terror dos guardas vermelhos, o de Jianchuan (centro do país), mas ele não está dedicado de forma exclusiva a isso, e dá uma imagem neutra ao fato histórico, sem mencionar as vítimas.
Apesar do silêncio no aniversário de 16 de maio, o jornal oficial do Partido Comunista, "Diário do Povo", que possui uma versão online em português, publicou no dia seguinte um editorial admitindo que a Revolução Cultural foi "um caos interno que trouxe enormes catástrofes" e se aventurou dizer que nunca se repetirá.
Fonte: EFE
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