quarta-feira, 20 de abril de 2016

Cientistas buscam aperfeiçoar diagnóstico de esquizofrenia

Esquizofrenia
Por meio de um software capaz de minerar dados fornecidos pelo exame de ressonância magnética funcional, o diagnóstico da esquizofrenia usando o mapeamento do cérebro já é possível no âmbito científico.

Novos estudos procuram investigar com maiores detalhes as principais regiões cerebrais envolvidas e também detectar eventuais reorganizações da estrutura cortical em função do tratamento medicamentoso.

A informação foi comunicada à Agência Fapesp por Francisco Aparecido Rodrigues, pesquisador associado do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela Fapesp.

Professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (USP), no campus de São Carlos, Rodrigues coordenou um estudo sobre o tema, realizado mediante colaboração entre a USP e a Radboud University, de Nijmegen, nos Países Baixos.

Artigo relatando os primeiros resultados foi publicado em 2014 na revista Clinical Neurophysiology: “Structure and dynamics of functional networks in child-onset schizophrenia”.

O estudo foi apoiado pela Fapesp por meio do projeto “Caracterização, análise, simulação e classificação de redes complexas”.

“Nesse estudo, que podemos definir como uma primeira abordagem do assunto, fizemos o mapeamento global do cérebro para detectar as diferenças entre a organização da estrutura cortical classificada como normal e aquela que caracteriza os portadores de esquizofrenia. Agora, estamos investigando em maior profundidade diversas regiões corticais, tal como o córtex pré-frontal, para localizar diferenciações talvez mais expressivas. Além disso, considerando que o cérebro é um órgão de grande plasticidade, em constante transformação, queremos saber também se o tratamento medicamentoso é capaz de reconfigurar estruturas de ligação, levando, eventualmente, a uma correção anatômica definitiva”, disse o pesquisador.

No mapeamento já realizado, as imagens foram obtidas por meio de ressonância magnética funcional e o cérebro foi mapeado como uma rede complexa.

Cada vértice da rede representa uma área cortical. As diversas áreas são ligadas de acordo com a ativação durante o experimento.

Essa rede foi analisada computacionalmente com o uso de descritores estatísticos e métodos de mineração de dados.

Tais análises evidenciaram que existem diferenças sutis, mas bastante definidoras, entre os dois tipos de estruturação cortical, ou seja, a estrutura do cérebro das pessoas classificadas como normais e aquela dos portadores de esquizofrenia.
Imagens de cérebro em ressonância magnética
“De fato, o cérebro do indivíduo classificado como esquizofrênico tende a ser menos organizado em determinadas regiões. E esse déficit de organização estaria relacionado com os transtornos visuais, auditivos ou mesmo olfativos que caracterizam a doença”, afirmou Rodrigues.

Segundo o pesquisador, a diferenciação das redes corticais não poderia ter sido realizada por observadores humanos, mesmo que fossem especialistas na área, porque, visualmente, as redes são muito parecidas, apresentando diferenças de estruturação mínimas.

“Por meio da mineração computacional de dados, a separação das imagens em dois conjuntos distintos pôde ser feita em minutos, por computadores pessoais comuns. Extraímos 54 medidas das redes corticais e apenas quatro se mostraram relevantes para realizar a classificação dos indivíduos”, complementou.

Uma vez diferenciados os dois conjuntos, o passo seguinte, segundo o pesquisador, foi empregar o aprendizado de máquina para ensinar ao computador as características rotuladas como “normais” e aquelas atribuídas aos portadores de esquizofrenia.

“A partir disso, a máquina aprendeu a classificar os novos exames, alocando-os em um dos dois conjuntos, com uma margem de 80% de acerto”, afirmou.

Esquizofrenia pediátrica

O estudo enfocou uma modalidade específica de esquizofrenia denominada “esquizofrenia pediátrica” [“child-onset schizophrenia”, em inglês], especialmente difícil de diagnosticar por meio da abordagem clínica convencional, baseada em entrevista, apresentação de questionário e avaliação subjetiva do entrevistador.

“Esse tipo de diagnóstico é o mais difícil de ser realizado clinicamente, pois a doença se manifesta em jovens e crianças, nos quais os sintomas comuns ainda não são evidentes. No entanto, o diagnóstico desse tipo de esquizofrenia é extremamente importante, pois permite uma intervenção com medicamentos que sejam capazes de frear o avanço da doença”, afirmou Rodrigues.

Esse trabalho resultou em um software acadêmico, que poderá ser aperfeiçoado e disponibilizado para uso médico no futuro.

“Já temos o software capaz de classificar os dados. Ele pode ser utilizado para o diagnóstico da esquizofrenia em geral. Os fatores limitantes do procedimento são o custo ainda muito alto da ressonância magnética funcional e o fato de esse exame exigir a colaboração ativa da pessoa que está sendo examinada. Ela não fica na máquina sob sedação. Precisa estar acordada e realizar determinadas ações, de modo que o exame detecte as regiões cerebrais ativadas durante essas atividades”, ponderou Rodrigues.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a incidência da esquizofrenia na população é da ordem de uma para cada 100 pessoas.

A enfermidade atinge em igual proporção homens e mulheres, mas, em geral, manifesta-se mais cedo no homem, por volta dos 20 aos 25 anos de idade, enquanto que, na mulher, a manifestação ocorre com maior frequência entre os 25 e os 30 anos.

O software desenvolvido pode ser utilizado também no diagnóstico de outras doenças que possuam contrapartidas neuronais.

“Já estamos pesquisando o emprego no diagnóstico do autismo. E existe também a possibilidade de utilização no diagnóstico precoce do Alzheimer”, informou o pesquisador.

“Essa será a medicina do futuro, com o uso de métodos de inteligência computacional para diagnosticar doenças de difícil identificação pelos métodos tradicionais. O diagnóstico preciso, rápido e menos invasivo possível é um dos grandes desafios da medicina moderna”, completou o pesquisador.

Fonte: Exame

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