sexta-feira, 21 de maio de 2021

Após investir toda a sua poupança em criptomoeda de meme, brasileiro fica milionário.

Folha de São Paulo
Kevin Roose

Em fevereiro, quando Glauber Contessoto decidiu investir toda a sua poupança em dogecoins, seus amigos ficaram preocupados.

"Todos eles disseram que eu estava louco", disse ele. "É uma moeda de piada. É um meme. Vai quebrar."

O ceticismo deles era válido. Afinal a dogecoin é uma piada —uma moeda digital lançada em 2013 por uma dupla de programadores que decidiu zombar da mania de criptomoedas criando seu próprio dinheiro virtual com base em um meme sobre Doge, um cachorrinho da raça shiba inu que fala. E investir dinheiro em criptomoedas obscuras é, historicamente, semelhante a jogá-lo numa fogueira.

Mas Contessoto, 33, que trabalha em uma empresa de mídia hip-hop em Los Angeles, não é um investidor comum que compra e segura. Ele é um dos muitos amadores em busca de emoções que saltaram de cabeça nos mercados nos últimos meses, usando aplicativos de corretagem como Robinhood para perseguir lucros enormes em especulações arriscadas.

Em fevereiro, depois de ler uma notícia no Reddit sobre o potencial da dogecoin, Contessoto decidiu entrar firme. Ele usou seus cartões de crédito, pegou dinheiro emprestado usando a função de corretagem na margem do Robinhood e gastou tudo o que tinha na moeda digital. Investiu cerca de US$ 250 mil ao todo. Depois, ficou olhando obsessivamente para o telefone enquanto a dogecoin se tornava um fenômeno da internet cujo valor eclipsou a de companhias blue-chip como Twitter e General Motors.

O valor de seus ativos em dogecoin hoje? Aproximadamente US$ 2 milhões.

Na superfície, Contessoto —que abandonou a faculdade e não tem treinamento formal em finanças— não parece diferente de um apostador com sorte que entra num cassino, aposta todas as fichas em uma única virada da roleta e sai como um milionário.

Mas ele também é emblemático de um novo tipo de investidor hiper-online que está ganhando ao aplicar as técnicas da economia da atenção digital —compartilhar memes, cultivar fofocas, produzir intermináveis fluxos de conteúdo para redes sociais— aos mercados financeiros.

Esses investidores, na maioria homens jovens, não se comportam racionalmente no sentido antiquado do Homo economicus. Eles escolhem investimentos não com base em seus fundamentos ou nas estimativas de analistas de Wall Street, mas em critérios mais amplos, como se eles são engraçados, se parecem futuristas ou quantas celebridades estão tuitando sobre eles. Sua filosofia é que no mundo atual, saturado de mídia, a atenção é a commodity mais valiosa, e tudo o que atrai muita atenção deve valer algo.

"Os memes são a linguagem da geração do milênio", disse Contessoto. "Agora vamos ter um meme ligado a uma moeda."

Um afável e barbudo fã de hip-hop que atende pelo apelido de Jaysn Prolifiq, Contessoto é um imigrante de primeira geração cujos pais foram do Brasil para os Estados Unidos quando ele tinha 6 anos. Quando criança, em um subúrbio de Maryland, ele viu sua família enfrentar dificuldades com dinheiro e prometeu que ficaria rico. Descobriu o amor pela música hip-hop quando adolescente, e depois do colégio se mudou para Los Angeles, onde conseguiu um emprego ganhando US$ 36 mil por ano como editor de vídeo iniciante, enquanto tentava agendar apresentações para um rapper que ele conhecia.

Seu sonho era economizar o suficiente para comprar uma casa —onde ele e seus amigos do hip-hop poderiam morar e fazer música juntos.

Mas esse tipo de dinheiro era ilusório, e ele passou vários anos dormindo no sofá de amigos enquanto tentava economizar o bastante para dar uma entrada.

Em 2019, começou a comprar ações no Robinhood, o aplicativo de corretagem que não cobra comissão. Ele se ateve a grandes empresas conhecidas, como Tesla e Uber, e quando esses negócios ganhavam dinheiro ele comprava mais. E em janeiro de 2021 ficou fascinado ao ver que um grupo de investidores do Reddit aumentou com sucesso o preço da ação da GameStop, apertando os fundos hedge que tinham apostado contra o varejista de videogames e ganhando milhões de dólares no processo. (Ele tentou entrar no negócio da GameStop, mas era tarde demais e acabou perdendo a maior parte de sua aposta.)

Pouco depois da saga da GameStop, Contessoto estava navegando no Reddit quando viu uma postagem sobre a dogecoin. Ele tinha ouvido falar na criptomoeda. (Elon Musk, que para os fãs da dogecoin é quase como o papa Francisco para os católicos, a havia chamado de "cripto do papa".) Mas quando pesquisou melhor ele se convenceu de que a imagem brincalhona e familiar da dogecoin poderia fazer dela a próxima GameStop.

"A dogecoin tem o melhor branding de todas as criptomoedas", disse Contessoto. "Se você colocar na minha frente todos os símbolos de ethereum, bitcoin, litecoin —tudo parece apenas super high-tech e futurista. E a dogecoin parece com: 'E aí, tudo bem?'"

Ele imagina que os novos investidores em criptomoeda pela primeira vez poderão gravitar na direção de algo divertido e identificável, e que a dogecoin poderá um dia se tornar uma espécie de escada para o mundo maior do dinheiro virtual.

"Eu acho que um dia todos vamos comprar e vender coisas com memes, e a dogecoin vai abrir o caminho", disse ele.

Por mais estranha que possa parecer sua tese de investimento, é difícil negar os resultados. Mesmo depois de uma crise recente depois da aparição de Musk no "Saturday Night Live" (em que ele brincou sobre a dogecoin ser uma "fraude"), a dogecoin continua sendo um negócio muito lucrativo. Um dólar investido em dogecoin em 1º de janeiro valeria US$ 203 hoje —muito mais que um investimento comparável em bitcoin, ethereum ou qualquer ação da S&P 500.

A ascensão estratosférica da dogecoin também alimentou muitas reclamações entre fãs de criptomoedas, que a veem como um show cafona que faz sombra para usos mais sérios de criptomoedas. Um dos criadores da dogecoin a condenou mais tarde, e até Musk advertiu os investidores para não especularem demais em criptomoedas. (Musk recentemente causou comoção nos mercados de moedas digitais ao anunciar que a Tesla não aceitaria mais bitcoins.)

O que então explica a durabilidade da dogecoin?

Sem dúvida, a mania da dogecoin, como a da GameStop anteriormente, pode ser pelo menos em parte atribuída a uma combinação de tédio da era pandêmica com o apelo eterno dos esquemas de enriquecimento rápido.

Mas talvez haja forças mais estruturais em ação. Nos últimos anos, os custos crescentes da habitação, recorde em dívidas estudantis e taxas de juros historicamente baixas tornaram mais difícil para alguns jovens imaginarem alcançar a estabilidade financeira trabalhando lentamente em uma profissão e guardando dinheiro a cada salário recebido, como fizeram seus pais.

Em vez de escadas, essas pessoas estão procurando trampolins —investimentos arriscados e voláteis que podem resultar em uma grande mudança de vida ou mandá-los rapidamente para o ponto de partida.

Contessoto é um estudo de caso exemplar. Ele ganha US$ 60 mil por ano em seu emprego atual —um ganho decente, mas nem perto de suficiente para comprar uma casa em Los Angeles, onde uma residência média custa quase US$ 1 milhão. Ele dirige um velho Toyota e passou anos vivendo frugalmente. Mas com mais de 30 anos, ainda sem uma casa em seu nome, decidiu procurar algo que pudesse mudar sua fortuna da noite para o dia, e acabou na porta da dogecoin.

Quando ele lembra o modo como perseguia a riqueza —trabalhando duro, cortando os gastos, poupando parte de cada salário—, ele vê a prova de um sistema que é construído contra as pessoas comuns.

"Eu sinto que aqueles especialistas da TV, a geração mais velha do dinheiro antigo, tentam assustar as pessoas para terem segurança, assim ninguém fica muito rico", ele disse.

Seu novo lema, afirmou, é "dinheiro assustado não ganha dinheiro".

Muitas coisas sobre a filosofia de investimento de Contessoto causariam indigestão em um assessor financeiro tradicional. Mas o mais maluco é que apesar de seus ganhos espetaculares ele ainda não vendeu seus milhões em dogecoins. Ele acha que o preço da moeda continuará subindo, e não quer perder os lucros futuros vendendo cedo demais. (Ele pretende vender 10% de seus ativos no próximo ano, quando seus ganhos serão classificados como ganhos de capital em longo prazo e terão uma alíquota de imposto menor.)

Em vez disso, ele se considera um especialista em dogecoin, adotando apelidos como "The Dogefather" e "Slumdoge Millionaire" e fazendo vídeos no YouTube em que promove a dogecoin.

"Eu sou agressivo quando eles entram na comunidade da dogecoin", disse. "Se isso superou minha expectativa da dogecoin, e eu a atingi em apenas dois meses, imagine onde estará daqui a um ano."

É claro que, assim como qualquer investimento volátil, há uma probabilidade real de que o patrimônio de Contessoto em dogecoins perca a maior parte ou todo o seu valor, e que seu sonho de possuir uma casa fique novamente distante. O preço da dogecoin já caiu quase 50% em relação a seu pico, cortando centenas de milhares de dólares da carteira de Contessoto.

Mas os apostadores raramente saem da mesa na primeira vez que perdem, e o compromisso de Contessoto de manter os ativos —"HODL", ou "hold on for dear life", como dizem os que negociam com criptomoedas— o anima durante a recente turbulência do mercado. No início desta semana, ele postou um print de tela de seu app de corretagem mostrando que comprou mais. E na quinta-feira, quando o valor de seu patrimônio em dogecoins caiu para US$ 1,5 milhão, aproximadamente a metade do que alcançou no pico, ele postou outra tela de sua conta no Reddit.

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