Darlan Alvarenga
G1
Com pandemia, comércio bilateral caiu a níveis de 2009. Mas, para analistas, recuperação e elevação do fluxo de negócios depende mais da dinâmica da economia global e da diversificação das exportações do que do perfil de próximo governo.
A eleição do próximo presidente dos Estados Unidos terá impactos em todo o planeta, uma vez que definirá quem será o próximo presidente da maior economia do mundo. Apesar das expectativas e incertezas sobre o que pode mudar no xadrez da economia global, a vitória do democrata ou do republicano deve ter poucas implicações no curto prazo nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, avaliam especialistas em política externa e comércio exterior.
Analistas ouvidos pelo G1 destacam que os EUA têm se mantido como o segundo maior parceiro comercial do Brasil e que, independentemente do resultado das eleições, um aumento do fluxo de negócios bilaterais depende mais da dinâmica de recuperação da economia e de uma maior diversificação e competitividade da pauta de exportação do que necessariamente da política do próximo governo ou de maior alinhamento entre os países.
Dados da balança comercial brasileira mostram que a corrente de comércios (soma de exportações e importações) entre Brasil e EUA, vem se mantendo historicamente estável na última década, num patamar entre US$ 50 bilhões e US$ 60 bilhões por ano. Em 2019, ficou em R$ 59,8 bilhões. O melhor resultado dos últimos anos foi registrado em 2014, quando somou R$ 62 bilhões.
"É uma relação bastante madura. Não deveremos ter nem um crescimento exponencial de comércio qualquer que seja o presidente, nem vai ter uma queda abrupta", avalia Welber Barral, estrategista de comércio exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário nacional de Comércio Exterior.
É consenso entre os analistas, entretanto, que diante uma eventual vitória de Biden a agenda ambiental deverá se transformar em um tema prioritário na relação bilateral e em negociações comerciais.
"Se o Biden ganhar, temas como proteção do meio ambiente, Amazônia, direitos das minorias vão ganhar mais relevância na forma como os EUA se relacionam com o mundo e vão certamente vir para o palco principal das discussões, inclusive das comerciais entre Brasil e Estados Unidos", afirma O vice-presidente executivo da Amcham Brasil, Abrão Neto.
EUA são o 2º principal parceiro comercial do Brasil
Os EUA são o destino de 9,7% do total de exportações do Brasil e são também a 2ª principal origem de importações brasileiras, representando 16% das compras totais feitas pelo país.
Apesar da China ter superado os EUA como o principal parceiro comercial do Brasil, os Estados Unidos têm mantido o seu patamar de participação nas trocas totais do país. No acumulado nos 9 primeiros meses de 2020, porém, a fatia caiu para 12,3% do total, enquanto a China viu o seu percentual subir para 28,8%, em meio ao forte apetite por commodities brasileiras, como minério de ferro, soja e proteína animal.
Comércio entre EUA e Brasil desaba em 2020
O maior desafio do comércio bilateral entre os dois países no momento é recuperar o patamar pré-pandemia. Levantamento da Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil) mostra que a corrente de comércio entre Brasil e Estados Unidos desabou em 2020 para o menor nível desde a crise internacional de 2009.
A soma das exportações e importações entre Brasil e Estados Unidos no acumulado de janeiro a setembro caiu 25,1% em relação ao mesmo período de 2019, para US$ 33,4 bilhões – o pior resultado para o período dos últimos 11 anos.
No acumulado nos 9 primeiros meses do ano, as importações brasileiras de produtos dos EUA totalizaram US$ 18,3 bilhões, uma queda de 18,8% na comparação com igual intervalo de 2019. Já as exportações brasileiras para os Estados Unidos caíram 31,5%, para US$ 15,2 bilhões. Na parcial do ano, o déficit comercial com os EUA está em US$ 3,1 bilhões. Mantido o cenário atual, o Brasil deve encerrar 2020 com o maior déficit bilateral dos últimos 6 anos.
Vale destacar, no entanto, que não é só com com os Estados Unidos que a corrente de comércio do Brasil tem encolhido. Em 2019, tanto as exportações quanto as compras do exterior recuaram, mas as vendas externas apresentaram tombo maior. Para o ano de 2020, o Ministério da Economia estima que a soma das importações e exportações brasileiras deva cair 9%. A previsão é que as importações somem US$ 155,7 bilhões – queda de 12,2% – e as exportações somem US$ 210,7 bilhões, uma queda de 6,5%.
Efeito Trump e pandemia
Ainda que as exportações brasileiras tenham sido afetadas por restrições comerciais impostas pelo governo Trump em setores como o siderúrgico, o forte encolhimento no fluxo de negócios entre os dois países é explicado principalmente pela crise econômica trazida pela pandemia de coronavírus e pela queda do preço internacional do petróleo em meio à menor demanda por combustíveis.
A Amcham destaca que a taxa de queda na corrente de comércio entre Brasil e Estados Unidos foi mais acentuada em razão do perfil dos produtos mais negociados, com forte peso de petróleo, aviões, insumos para a indústria, além do elevado número de operações intrafirma – quando uma multinacional tem uma produção compartilhada e importa dela mesma.
"A pauta bilateral é composta por bens de maior valor agregado, principalmente bens da indústria de transformação, que foi um dos setores mais impactados no comércio internacional, diferentemente do comércio de alimentos, que sofreu um abalo pequeno e já se recuperou", afirma Abrão Neto.
Os analistas minimizam o impactos dos efeitos colaterais da guerra comercial entre EUA e China, bem como da aproximação do governo Bolsonaro com o governo Trump. Destacam que, se por um lado foram impostas restrições para as exportações brasileiras de aço e alumínio, houve também alguns ganhos, como a reabertura para a entrada de carne bovina in natura produzida pelo Brasil e o acordo que abriu a possibilidade de exploração comercial do centro de lançamento de Alcântara, no Maranhão, ou o recente memorando de entendimentos que prevê a oferta de até US$ 1 bilhão em crédito do governo norte-americano para financiar projetos no Brasil.
"Houve evoluções interessantes na relação bilateral, mas nenhuma dessas medidas vai ter um efeito imediato de criação de comércio. Nenhum desses acordos equivale também ao efeito de um acordo do Mercosul-União Europeia por exemplo", afirma Barral.
Ainda que setores possam vir a ser mais favorecidos ou prejudicados, a depender do resultado das eleições, a avaliação geral é que os recentes acordos comerciais fechados entre Brasil e EUA tendem a ganhar prosseguimento mesmo em caso de mudança de governos.
"São temas que contam com apoio forte do setor privados dos dois países. Existe um estoque grande de investimento do Brasil nos Estados Unidos e vice-versa. As empresas vão continuar a fazer negócios entre si e a dar o tom da relação bilateral", avalia Neto.
Barral lembra que os democratas costumam ser protecionistas, mas que aos negócios entre Brasil e EUA não devem ser abalados por eventuais contenciosos ou disputas comerciais.
"O Brasil também tem várias medidas contra os Estados Unidos. Isso é algo usual no comércio. O Biden provavelmente continuaria com algumas medidas de defesa comercial, medidas antidumping e compensatórias. Mas o Brasil não é o alvo principal dos EUA, e sim a China", diz.
Necessidade de diversificar exportações e aumentar competitividade
Para o presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o volume de trocas entre Brasil e Estados Unidos continua sendo limitado principalmente pela "balança comercial pobre" do país e pela perda de competitividade da indústria brasileira nas últimas décadas.
Em 2019, pela primeira vez em quarenta anos, o Brasil exportou mais produtos básicos do que industrializados. Produtos classificados como básicos ou commodities são aqueles que não têm tecnologia envolvida ou acabamento, como minerais, frutas, grãos e carnes.
"No ano de 2000, de tudo que o Brasil exportava para o mundo, 59% eram produtos manufaturados. Hoje, eles representam apenas 24%. Ou seja, o Brasil perdeu participação no mercado mundial. Como perdemos competitividade, as nossas exportações de manufaturados para os EUA têm diminuído", explica Castro.
É essa maior dependência das exportações de commodities agrícolas e minerais que também explica o avanço da China na balança comercial brasileira, enquanto que os EUA têm perdido participação.
"Para aumentar o comércio com os Estados Unidos precisaria ter um acordo de livre comércio, o que é muito improvável com qualquer que seja o governo, ou de ações muito concretas de maior acesso a produtos muito relevantes, o que não é fácil uma vez que Brasil e EUA competem em várias das grandes commodities", afirma Barral, citando produtos como soja, milho, algodão, etanol e carnes.
Levantamento da AEB mostra que a participação do Brasil nas exportações mundiais permaneceu praticamente estagnada nas últimas décadas, passando de 0,99% em 1980 para 1,23% em 2018, enquanto que a da China saltou de 0,88% para 12,77% no mesmo intervalo, e a dos EUA recuou de 11,06% para 8,54%.
"O mundo andou e o Brasil parou. A China andou mais rápida do que todos e os Estados Unidos perderam parte do mercado que tinham no passado", resume Castro.
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